VII Congresso da CNA

Soberania alimentar<br>tem de ser resgatada

Cerca de dois mil delegados oriundos de todo o país – a que se juntaram dezenas de convidados nacionais e cerca de 70 delegações estrangeiras – participaram no VII «Congresso da CNA e da Agricultura Familiar Portuguesa», que se realizou no domingo, 23, no Pavilhão de Feiras e Exposições de Penafiel, para discutir a situação da agricultura familiar e aprovar propostas concretas.

Foram aprovadas a Carta e o Estatuto da Agricultura Familiar

A intervenção de abertura no Congresso da Confederação Nacional de Agricultura (CNA) estabeleceu o ponto de partida, a linha a partir da qual se pode enquadrar a complexa e dura realidade da actividade agrícola em Portugal. Nas palavras de João Dinis, o chamado «sistema dual», consiste numa «grande agricultura, super-intensiva, apoiada pelos governos e pela União Europeia, que produz para a exportação multinacional; e uma pequena e média agricultura, a agricultura familiar, desapoiada e desclassificada pelo sistema, mas que resiste a produzir para o mercado interno».

Daí o lema do Congresso referir a importância de «produzir» e «alimentar», pois, tal como explicou o membro do Executivo e do Secretariado da CNA, «Portugal está a descurar a sua produção para o mercado interno», uma vez que o Governo, na ânsia de tentar equilibrar o défice externo, «intensifica os apoios às produções industriais que não servem para comer», tais como a pasta de papel.

Em resultado, o «nosso défice da balança de pagamentos agro-alimentar não pára de aumentar», e os agricultores encontram no mercado interno «as grandes cadeias de hipermercados que tudo dominam», esmagando os preços, assim como «os pequenos mercados de proximidade carregados, não de produtos para venda directa, mas de problemas», acrescentou João Dinis.

A questão central é, pois, conseguir escoar a produção a um preço que «compense os gastos e o trabalho, e que dê para viver», num contexto em que «não há preços à produção para o agricultor. Há, isso sim, uma espécie de preço que o grande agro-negócio entende pagar, quando quer pagar e como vai pagar», acrescentou ainda o dirigente.

Pedro Santos, igualmente do Executivo e do Secretariado da CNA, que interveio sobre a situação da agricultura, desmontou a tese do «oásis» da ministra da Agricultura, dizendo que se agora o Governo deixou de fazer propaganda em torno do emprego na agricultura, é porque no final do terceiro trimestre deste ano tínhamos menos 74 mil empregos.

Sistema-garrote
à agricultura familiar

Paralelamente à realização do Congresso, a CNA promoveu o seminário internacional sobre a Política Agrícola Comum, «A PAC e a Agricultura familiar», com três painéis dedicados a um igual número de temas, tendo sido aqui que os agricultores mais usaram da palavra para colocar questões e partilhar experiências.

No seminário foram dados a conhecer exemplos dos benefícios que algumas organizações nacionais de baldios conseguem reverter para os seus compartes. Ouviu-se alertas dirigidos aos órgãos representativos dos compartes: «Esta é uma lei que faz o frete à indústria da celulose», denunciou um dos oradores. Quadro normativo que «está cheio de rasteiras do legislador para acabar com os baldios», prosseguiu, dando como exemplo o artigo da Lei que prevê a extinção dos baldios caso não haja administração dos «órgãos representativos dos compartes» durante um período de 15 anos. Uma «rasteira» pois, tal como explicou o interveniente, este critério deixa de fora actos de gestão das juntas de Freguesia (que frequentemente gerem os baldios).

Na ocasião, foram ainda prestados muitos esclarecimentos sobre a confusão que está instalada a propósito do chamado greening e de outras questões burocráticas e obscuras da nova PAC, impossíveis de compreender sem a ajuda de técnicos especializados. Informação preciosa para quem trabalha a terra.

Mas um esclarecimento que nenhum técnico – por mais especializado – conseguiria prestar com semelhante acutilância e clareza, foi feito por um dos delegados do Congresso – o octogenário camarada Machado, oriundo da Guarda – que explicou a todos o que é o «capitalismo selvagem» dando como exemplo a sua mais recente ida ao «Pingo Doce» para tentar vender duas toneladas de cebolas.

Conquistar
o que é nosso

Regressando ao Congresso da CNA, foram aprovadas, por unanimidade, seis moções, para além da «Carta da Agricultura Familiar» e do «Estatuto da Agricultura Familiar», documento que define juridicamente os conceitos e os princípios pelos quais se deve reger a formulação das políticas públicas, bem como os apoios particulares de que a agricultura familiar deve beneficiar, e que a CNA apresentará aos grupos parlamentares e outras entidades.

Houve ainda lugar a intervenções de saudação ao Congresso pela Coordenadora de Organizações Agrárias e Pecuárias (COAG) espanhola, pela Plataforma de Camponeses da CPLP e pela Via Campesina. Foi aprovada também uma resolução com 12 reclamações imediatas ao Governo.

A intervenção de encerramento coube a Armando Carvalho, do Secretariado da CNA, que começou por reafirmar aquilo que a organização tem dito «neste e anteriores congressos». «Não nos conformamos com a ruína da agricultura familiar portuguesa, não nos conformamos com as centenas de milhares de hectares de terras abandonadas e improdutivas e com este suicida défice agro-alimentar da nossa balança comercial», referiu. Daí que as propostas aprovadas no Congresso constituam «um dedo acusador a este e anteriores governos pela situação de falência e ruína da agricultura portuguesa».

«O que o Congresso discutiu e aprovou é que há alternativa a estas nefastas políticas agrícolas. E que não basta mudar os governos, como nos últimos 38 anos se tem visto», afirmou, concluindo que «o compromisso que sai deste Congresso é o de continuarmos a luta que travamos há 36 anos, mobilizando mais agricultores para o nosso lado, porque essa é a única forma de conquistarmos o que é nosso por direito».

«Enquanto as bocas humanas necessitarem de pão, vinho, carne, leite e fruta, a CNA terá que existir e será o escudo protector de todos aqueles que amanham, labutam e amam a agricultura e o mundo rural português», garantiu Armando Carvalho.

 

Governo desrespeita

Pela primeira vez, desde o reconhecimento formal da CNA, a ministra da Agricultura, apesar de convidada, decidiu não estar presente no Congresso. João Dinis acusou-a por isso de não apreciar o estilo de intervenção da Confederação. «A senhora ministra, e deixem-nos dizer assim, só vê com um olho: o dos grandes proprietários e do grande agro-negócio E mesmo assim já vai vendo mal», disse, antes de considerar que a «amiga dos pequenos agricultores» escolheu mal ao não vir ouvir a voz da CNA, dos agricultores, da agricultura familiar portuguesa», ainda por cima quando se vai aplicar a PAC e o novo Plano de Desenvolvimento Regional 20-20, e se assinala o Ano Internacional da Agricultura Familiar, denunciou.

 



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